terça-feira, 19 de junho de 2018

Propriedade privada como princípio

Um princípio é assim chamado porque vem... no princípio! Não na continuação de alguma coisa. É um preceito fundante e não fundado, condicionante e não condicionado. Justamente porque não depende de mais nada, porque vale por si mesmo, é que um princípio tem de poder ser aplicado universalmente, sem modificações nem atenuantes, a todos os casos abrangidos no seu enunciado, sem que isso leve a nenhuma contradição lógica e muito menos a absurdidades reais. Sem essa propriedade, nenhum enunciado é um princípio.

“Não assassinarás”, por exemplo, é um princípio. Um indivíduo decidido a cumpri-lo deve segui-lo até às últimas conseqüências, abstendo-se de tirar a vida alheia em todos os casos e oportunidades, exceto nos quais o ato deliberado de tirar a vida de outra pessoa não pode ser classificado como assassinato -- em legítima defesa e na aplicação da pena de morte. É por esta razão que o ato de matar deliberadamente viola o princípio até mesmo em caso de defesa de propriedade quando não há risco à integridade física do propretário.  

A extensão indefinida das aplicações não modifica o sentido do princípio, que é princípio justamente por isso: por estar na extremidade inicial de uma série ilimitada de conseqüências sobre as quais ele impera com autoridade inabalável, absoluta.

Já as regras operacionais não instituem o seu próprio campo de aplicação: ele é demarcado por um número ilimitado de outras regras operacionais, algumas delas tácitas ou só descobertas ex post facto, bem como por um número também ilimitado de conveniências de ordem prática que podem intervir em cada caso. Toda regra operacional é por isso intrinsecamente deficiente e não pode ser aplicada senão com muitos atenuantes e modificações.

Um princípio vale por si, independentemente da variedade das situações. As regras operacionais, ao contrário, sempre se dispõem em sistemas e hierarquias compostos essencialmente de limitações mútuas (culminando, idealmente, num princípio que as limita a todas sem ser limitado por elas). Uma regra operacional que, desconhecendo seus limites internos e externos, busque estender indefinidamente seu campo de aplicação, acabará se chocando não só contra outras regras e contra as conveniências externas, mas contra si própria. “Agir no interesse próprio”, por exemplo, é uma regra operacional. Ela funciona em certas circunstâncias da vida, mas, se passar de um certo limite, jogando os interesses do indivíduo contra os de todos os demais, ele se tornará presa de uma situação de isolamento ou de hostilidade que não é do seu interesse de maneira alguma. A regra, para funcionar, tem de ser freada por um sem-número de outras considerações. Na verdade ela já vem com freio, porque os interesses de uma criatura limitada são eles próprios necessariamente limitados, no mínimo pela duração limitada da sua vida. Uma regra operacional erigida indevidamente em princípio leva necessariamente à sua própria negação.
E como fica a propriedade privada?

Ela não é, de maneira nenhuma, um princípio. É apenas uma regra operacional. 
Assim como a liberdade, o direito a propriedade limita a si próprio caso implementado de forma absoluta e sem restrições. Um exemplo é a idéia de "auto-propriedade", que é limitada quando o indivíduo se encontra na propriedade de terceiros.

Não existe “propriedade absoluta”, de vez que a propriedade é essencialmente um direito, portanto uma obrigação imposta a terceiros. O mero poder de uso de uma coisa não é propriedade, é posse. A propriedade só surge na relação social fundada pela “ordem”. O mero fato de que existam propriedades legítimas e ilegítimas mostra que a propriedade é dependente da ordem, portanto não é um princípio em si. 

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