quarta-feira, 25 de abril de 2018

Reincidência criminal -- como O Globo e a Defensoria Pública do Estado do Rio desinformam sobre a criminalidade


Apenas 2% do assaltos e 8% dos homicídios são esclarecidos no Brasil. A maior parte dos crimes nem sequer é comunicada à polícia. Logo, essa estatística de 5,28% apresentada não significa absolutamente nada porque a esmagadora maioria dos criminosos nem mesmo é identificada, quanto mais presa. 

98% dos assaltantes do Rio de Janeiro não são nem identificados. Em cada 100 assaltos, só 2 resultam na prisão de alguém. E é com base nesses 2 casos que a Defensoria Pública monta sua argumentação.

O único dado concreto sobre reincidência vem das pesquisas do Prof. Pery Francisco Assis Shikida, que identificou que 65% dos presos de alguns presídios do Paraná eram reincidentes.


Roberto Motta

sábado, 21 de abril de 2018

Argumentos a favor do casamento gay

"Casamento é um direito"

O casamento é uma restrição de liberdade, e não um direito. Ou seja, o governo intervém em uma relação entre indivíduos, limitando liberdades e prescrevendo obrigações para com seus cônjuges, tirando direitos que esses indivíduos teriam se não fosse pelo casamento. 

O casamento é uma instituição civil/religiosa que todas as sociedades através da história reconheceram como a melhor maneira de legitimar e proteger os filhos, bem como para solidificar conexões familiares. Leis de casamento simplesmente reconhecem uma instituição que precede a criação do próprio estado. 



"Legalização do casamento gay é questão de igualdade perante a lei"

As leis de casamento não são fruto da lógica, mas da experiência. Elas evoluíram ao longo de séculos de experiência com casais de sexos opostos -- e os filhos que resultam de tais uniões. A sociedade participa nas decisões tomadas ao restringir as opções dos casais, a fim de proteger o melhor interesse tanto das crianças quanto da própria sociedade.

A sociedade não tem essa participação no resultado de uma união entre duas pessoas do mesmo sexo. Transferir todas essas leis para uma uni
ão entre pessoas do mesmo sexo não faria mais sentido do que transferir as regras do beisebol para o futebol.

Al
ém disso, homens e mulheres estão, inerentemente, em posições muito diferentes dentro de um casamento. O fato de que apenas as mulheres engravidam significa que as situações para homens e mulheres nunca serão as mesmas, não importa o tanto de "linguagem neutra de gênero" usada. As leis devem responsabilizar ambos pelo bebê que ela sozinha terá. Essa consideração também não se aplica às uniões homossexuais.

O argumento de que as leis de casamento atuais "discriminam" contra homossexuais confunde a discriminação contra pessoas por distinçoes entre diferentes tipos de comportamento.
Todas as leis distinguem entre diferentes tipos de comportamento. Que outro propósito tem a lei?

Pessoas são tratadas da mesma forma, mas seus comportamentos não são. Leis que proíbem bicicletas de serem usadas em estradas obviamente têm um efeito diferente em pessoas que têm bicicletas, mas que não t
êm carros.
Mas isso não é discriminação contra uma pessoa. O ciclista que entra em um carro é tão livre para dirigir na estrada quanto qualquer outra pessoa.

A questão não é se os gays deveriam poder se casar. Muitos gays já se casaram com pessoas do sexo oposto. Por outro lado, mesmo heterossexuais que desejarem se casar com alguém do mesmo sexo, seja por motivos políticos ou econômicos, serão proibidos de fazê-lo, assim como os gays.




"Amor é amor"

Amor nunca foi fator determinante para o casamento, mesmo porque é impossível legislar ou determinar condutas com base em sentimentos. 

A instituição do casamento é baseada em relações heterossexuais pois elas estão ligadas à procriação. O óbvio e único prosseguimento para essa linha de raciocinio é que, onde a procriação é, em princípio, impossível, o casamento é irrelevante. E esse é o argumento fundamental em um sentido cívico contra o casamento homossexual em uma sociedade secular. 

O governo não deve regulá-lo, já que é uma questão pessoal, nem deve oferecer nenhum benefício, já que ele não traz nenhum benefício para a sociedade. O  governo tem, teoricamente, um interesse na produção da próxima geração, algo que as relações homossexuais são incapazes de proporcionar.



 "Já que o casamento é baseado na procriação, então idosos e inférteis não deveriam poder se casar"

A procriação é, em princípio, a razão da instituição do casamento.
"Em princípio" significa "relativo à definição de", e não "relativo às circunstâncias específicas".

Os seres humanos raciocinam por meio de conceitos e definições. Nós também fazemos leis por meio de definições. E se você não sabe como operar com respeito a essas definições, você não pode legislar.

Um indivíduo que é impotente ou infértil não altera a definição de casamento, em princípio, porque entre um homem e uma mulher, em princípio, a procriação é sempre possível, e é essa possibilidade que deu origem à instituição do casamento em primeiro lugar e como uma questão de direito.

Mas quando é impossível em princípio, como entre dois machos ou duas fêmeas, você não está falando de algo que é apenas incidentalmente impossível. É impossível em princípio.

E isso significa que, se você disser que isso é um casamento, você está dizendo que o casamento pode ser entendido, em princípio, além da procriação. Então você mudou a definição de casamento de tal forma que ela acaba por destruir a necessidade da instituição, já que a única razão para sua existência nas sociedades humanas era regular, de um ponto de vista social, as obrigações e as responsabilidades concomitantes sobre a procriação.



"Não reconhecer casamentos gays é similar ao que era feito nos EUA durante a segregação, quando negros e brancos não podiam se casar"

Comparações e analogias com proibições contra o casamento interracial são falhas. Raça não faz parte da definição de casamento, sexo sim. A proibição do casamento interracial é uma proibição das mesmas ações que seriam permitidas caso a raça das pessoas envolvidas fosse diferente. É uma discriminação contra pessoas, e não contra ações.




Casamento e igualdade de direitos

De todos os argumentos favoráveis ao casamento gay, talvez o mais inconsistente seja o que clama por "igualdade de direitos". Isso porque o casamento não é um direito estendido aos indivíduos pelo governo, mas uma restrição aos direitos que eles já possuem.

Em uma sociedade livre, pessoas que vivem juntas -- sejam elas heterossexuais ou homossexuais -- podem dividir seus pertences igualmente ou da maneira que bem entenderem. Elas podem escolher que suas uniões sejam temporárias, permanentes ou sujeitas ao cancelamento a qualquer momento.

O casamento é uma restrição. Se minha esposa compra um automóvel com seu próprio dinheiro, sob as leis de casamento da Califórnia, eu automaticamente possuo metade dele, quer meu nome esteja ou não no título. Essa lei pode ser vista como boa, ruim ou indiferente, mas ainda assim é uma limitação da nossa liberdade de organizar as coisas que nós mesmos podemos escolher. Esta é apenas uma das muitas decisões que as leis do casamento tiram de nossas mãos.

Ou seja, o governo intervém em uma relação entre indivíduos, limita suas ações e prescreve obrigações, tirando direitos que esses indivíduos teriam.

Oliver Wendell Holmes disse que a lei não é fruto da lógica, mas da experiência. As leis do casamento evoluíram ao longo de séculos de experiência com casais de sexos opostos -- e os filhos que resultam de tais uniões. A sociedade afirma sua participação nas decisões tomadas ao restringir as opções dos casais, a fim de proteger o melhor interesse tanto das crian
ças quanto da própria sociedade.

A sociedade não tem essa participação no resultado de uma união entre duas pessoas do mesmo sexo. Transferir todas essas leis para uma uni
ão entre pessoas do mesmo sexo não faria mais sentido do que transferir as regras do beisebol para o futebol.

Al
ém disso, homens e mulheres estão, inerentemente, em posições muito diferentes dentro de um casamento. O fato de que apenas as mulheres engravidam significa que as situações para homens e mulheres nunca serão as mesmas, não importa o tanto de "linguagem neutra de gênero" que usamos. As leis devem responsabilizar ambos pelo bebê que ela sozinha terá. Essa consideração também não se aplica às uniões homossexuais.

Por que então os ativistas gays querem que suas opções sejam restringidas pelas leis de casamento, quando podem fazer seus próprios contratos com suas próprias provisões e realizar qualquer tipo de cerimônia que desejem celebrar?

A questão não é de direitos individuais. O que os ativistas estão buscando é a aprovação social oficial de seu estilo de vida. Mas esta é a antítese da igualdade de direitos.
Se você tem direito à aprovação de outra pessoa, ela não tem direito a suas próprias opiniões e valores. Você não pode dizer que o que adultos fazem de forma consensual em particular não é da conta de ninguém e depois se virar e dizer que os outros são obrigados a colocar seu selo de aprovação nessas escolhas.

O argumento de que as leis de casamento atuais "discriminam" contra homossexuais confunde a discriminação contra pessoas por distinçoes entre diferentes tipos de comportamento.
Todas as leis distinguem entre diferentes tipos de comportamento. Que outro propósito tem a lei?

Pessoas são tratadas da mesma forma, mas seus comportamentos não são. Leis que proíbem bicicletas de serem usadas em estradas obviamente têm um efeito diferente em pessoas que têm bicicletas, mas que não t
êm carros.
Mas isso não é discriminação contra uma pessoa. O ciclista que entra em um carro é tão livre para dirigir na estrada como qualquer outra pessoa.

A questão não é se os gays deveriam poder se casar. Muitos gays já se casaram com pessoas do sexo oposto. Por outro lado, mesmo heterossexuais que desejarem -- pelo motivo que seja -- se casar com alguém do mesmo sexo (seja por motivos políticos ou econômicos) serão proibidos de fazê-lo, assim como os gays.



Thomas Sowell

terça-feira, 17 de abril de 2018

Mises e o Libertarianismo

1. Anarquismo

Muitos seguidores de Mises também se dizem adeptos do anarcocapitalismo, e é  comum que usem seu nome e alguns de seus insights fora de contexto para defender essa ideia. 
O que Mises tinha a dizer sobre o anarquismo:
“Há, sem dúvida, uma facção que acredita que se poderia dispensar, com segurança, todo e qualquer tipo de coerção e basear a sociedade, totalmente, na observância voluntária do código moral. Os anarquistas consideram o estado, a lei e o governo instituições supérfluas”
pg. 64
Mais adiante, na mesma página:
“O anarquista, porém, se engana ao supor que todo mundo, sem exceção, desejará observar tais regras voluntariamente.”
“O anarquista compreende mal a verdadeira natureza do homem. O anarquismo somente seria praticável num mundo de anjos e santos.
O Liberalismo não é anarquismo, nem tem, absolutamente, nada a ver com anarquismo.”
Ainda na página 66:
“O liberalismo, portanto, está muito longe de questionar a necessidade da máquina do estado, do sistema jurídico e do governo. Trata-se de grave incompreensão associá-lo, de algum modo, à ideia de anarquismo, porque, para o liberal, o estado constitui uma necessidade absoluta”
pg. 66
E também no livro Intervencionismo, Uma Análise Econômica, Mises explica:
“É, portanto, uma ingenuidade pensar que os verdadeiros liberais, por defenderem a propriedade privada e a limitação das funções do governo, sejam contra a existência do Estado. Eles combatem tanto o socialismo como o intervencionismo por acreditarem na maior eficácia da economia de mercado. Defendem a existência de um Estado forte e bem administrado porque lhe atribuem uma tarefa fundamental: a defesa do funcionamento da economia de mercado.”
Intervencionismo, uma Análise Econômica / Ludwig von Mises. – São Paulo : Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010.
pg. 27
Alguns anarcocapitalistas argumentam que Mises rejeitou o anarquismo porque viveu num período anterior e não chegou a conhecer as formulações do anarcocapitalismo. Bom, em primeiro lugar, já existiam formulações anarquistas de livre mercado desde o século XIX, representadas na obra de alguns dos chamados anarco-individualistas ou anarquistas filosóficos.
Em segundo lugar, Mises viveu sim o suficiente não só para conhecer o anarcocapitalismo como também para expressar sua preocupação em relação a ele. É o que nos conta Jörg Guido Hülsmann no livro Mises: The Last Knight of Liberalism, nos seguintes trechos:
“Em correspondência privada com Bruno Leoni, Mises lamentou que idéias anarquistas estavam sendo ‘defendidas por alguns dos homens mais inteligentes da geração americana em ascensão’, mas ele tinha uma imediata explicação psicológica à mão: o anarquismo era uma ‘reação à deificação do estado’.”
Jörg Guido Hülsmann, Mises: The Last Knight of Liberalism, p. 1025
Mais adiante, na mesma página
“Mises entrou em contato com o movimento anarquista burguês já nos anos seguidos à publicação de Ação Humana, especialmente através de seus contatos com libertários da costa-oeste, mas também em correspondência com Rose Wilder Lane. Seus debates com esses radicais americanos permaneceram infrutíferos. Mas após uns vinte anos, o anti-estatismo deles ganhou momento. A melhor prova foi a existência do Círculo Bastiat, envolvendo Rothbard, Raico e Liggio. Raymond Cyrus Hoiles, editor da Freedom Newspaper, vangloriou-se desse impacto crescente em uma carta a Mises, a primeira correspondência dos dois em trinta anos. Respondendo a alegação de Mises de que nenhum homem racional jamais propôs que a produção de segurança fosse confiada a organizações privadas…”
p. 1025
E na página seguinte:
“Mises respondeu de uma maneira hobbesiana, objetando que, na ausência de um monopólio do uso da força coercitiva, ‘todo mundo teria que se defender continuamente de bandos de agressores’. Ele concluiu: ‘Eu penso que você erra em assumir que seus princípios são aqueles da Declaração de Independência. Eles são na verdade os princípios que levaram, cem anos atrás, os Estados Confederados a recusar o reconhecimento do presidente eleito pela maioria. Seja onde for que esses princípios sejam recorridos, eles levam a derramamento de sangue e anarquia.’”
p. 1026
2. Minarquismo
Alguns dos assim chamados “libertários” reconhecem que é um equívoco usar a imagem de Mises para promover o anarcocapitalismo, mas, ainda assim, incorrem em erros semelhantes ao usá-lo para promover certas ideias “libertárias” conhecidas no meio como “minarquistas”.

Protecionismo

“O fato é que a ideologia que torna possível a tarifa protecionista não é criada nem pelas “partes interessadas” nem por aqueles que são subornados por elas, mas por ideólogos que propiciam ao mundo as ideias que dirigem o curso de todos os assuntos humanos.”
pg. 43
Na contramão da retórica de alguns libertários, Mises não era totalmente adepto da ideia de que quem cria o protecionismo são representantes de negócios locais interessados em se proteger da concorrência, agindo sempre através do lobby ou da corrupção. Ele é fruto sempre, da pura ideologia política dominante.
Mises defende isso em outros de seus trabalhos onde explica que é impossível que o protecionismo se instale atendendo somente aos interesses dos empresários, simplesmente porque estes possuem interesses diferentes e por vezes conflitantes. Para um fabricante de pregos talvez seja mais interessante se proteger da concorrência dos pregos importados, mas para o fabricante de cadeiras, que utiliza pregos na fabricação do seu produto, é mais interessante conseguir tal insumo ao menor preço possível.

Do livro Ação Humana:
“Mais tarde, mudaram as condições: a burguesia inglesa, já não podendo suportar a competição dos produtos estrangeiros, passou a exigir tarifas protecionistas. Os economistas, então, elaboraram uma teoria protecionista para substituir a ideologia do livre comércio e a Inglaterra retornou ao protecionismo.
O primeiro erro dessa interpretação é considerar a ‘burguesia’ como uma classe homogênea composta de membros cujos interesses são os mesmos. Um empresário está sempre premido pela necessidade de ajustar sua atividade empresarial e comercial às condições institucionais de seu país. Sua atuação como empresário ou como capitalista, em longo prazo, não é favorecida nem prejudicada pela existência ou não de tarifas. Quaisquer que sejam as condições institucionais ou de mercado, o empresário procurará produzir os produtos que lhe proporcionam maior lucro. O que pode prejudicar ou favorecer seus interesses, em curto prazo, são apenas as mudanças no cenário institucional. Mas estas mudanças não afetam da mesma maneira, nem com a mesma intensidade, todos os ramos de negócio ou todas as empresas. Uma medida que beneficia um setor ou uma empresa pode ser prejudicial a outros setores ou empresas. Quando são estabelecidos direitos alfandegários, apenas um reduzido número de itens pode interessar a cada empresário. E, para cada item, os interesses das diversas firmas e setores são geralmente antagônicos.
Um determinado setor ou empresa pode ser favorecido pelos privilégios concedidos pelo governo. Mas, se os mesmos privilégios são concedidos a todos os setores e empresas, todo empresário perde – não só como consumidor, mas também como comprador de matérias primas, produtos quase acabados, máquinas e equipamentos – de um lado, tanto quanto ganha de outro.”
von Mises, Ludwig – Ação Humana – São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010
pg. 112 – 113

Guerras

“O humanista, amante da paz, se aproxima de um todo-poderoso e lhe diz: “Não faça a guerra, ainda que uma vitória lhe dê a perspectiva de aumentar seu próprio bem-estar. Seja nobre e magnânimo. Renuncie à tentação da vitória, ainda que isto signifique para você um sacrifício e a perda de uma vantagem”. O liberal pensa de modo diferente. Está convencido de que a guerra vitoriosa é um mal, até mesmo para o vencedor, e que a paz é sempre melhor do que a guerra.”
pg. 54
Aqui Mises utiliza um argumento liberal utilitarista contra a guerra. Diferente dos humanistas, que tentam convencer os poderosos a não promoverem guerras simplesmente apelando para um argumento moral, os liberais são contra as guerras por motivos diferentes: Simplesmente porque elas não são interessantes para a maioria das pessoas, nem mesmo para o lado vencedor.
Mais adiante, Mises exemplifica uma circunstância em que uma guerra é justificável:
“Quando é atacada por um inimigo belicoso, uma nação, amante da paz, precisa oferecer resistência, e tudo fazer para evitar a carnificina.”
pg. 54
Aqui ele deixa claro que são absolutamente legítimas as guerras travadas a favor de se proteger de uma agressão externa, o que também implica na necessidade da existência de exércitos e investimentos em defesa.

Coerção Estatal

“A vida em sociedade seria, praticamente, impossível, se as pessoas que desejam sua continuada existência e que pautam sua conduta de modo apropriado tivessem de renunciar ao uso da força e da obrigatoriedade contra aqueles que estão prontos a minar a sociedade com seu comportamento. (…) Sem aplicação de obrigações e coerção contra os inimigos da sociedade, seria impossível a vida em sociedade.”
pg. 63
Este trecho vai de encontro aos que se dizem liberais misesianos mas criticam a coerção estatal sobre condutas anti-sociais ou contra os que criticam a ação da polícia na repressão ao crime, mesmo quando ela acontece dentro da legalidade.
Mises mostra que é absolutamente necessário que o estado reprima tais condutas mesmo que utilizando-se de seu monopólio da força.

Outras afirmações semelhantes podem ser vistas na página 81:
“Suprimir a conduta perigosa à subsistência da ordem social constitui a soma e a substância da atividade estatal.”
pg. 81 – 82
“O liberalismo nem mesmo deseja ou pode negar que o poder coercitivo do estado e a punição legal de criminosos são instituições que a sociedade não poderia, em quaisquer circunstâncias, delas prescindir.”
pg. 82

Bibliografia:

von Mises, Ludwig. – Liberalismo – Segundo a Tradição Clássica. — São Paulo: Instituo Ludwig von Mises. Brasil, 2010

segunda-feira, 16 de abril de 2018

Liberalismo, Liberdades Individuais e Iluminismo

Defensores do iluminismo creditam direitos individuais e liberdades ao movimento e usurpam contribuições da tradição, religião e nacionalismo para o progresso humano. 

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Rodrigo Constantino, no artigo entitulado "QUE “LIBERAIS” SÃO ESSES QUE PREFEREM CIRO GOMES A PAULO GUEDES?", na Gazeta do Povo:
É verdade também que, do lado direito, há conservadores que não são liberais, apesar de pontos de convergência, e nacionalistas autoritários, reacionários e estatizantes que sequer conservadores são, ou ao menos não os “de boa estirpe”, que sustentam o legado do Iluminismo britânico. Mas os liberais clássicos ainda são minoria política, e quem não tem cão caça como gato.


Militantes do iluminismo vendem bem seu peixe. Ciência, medicina, instituições políticas livres, a economia de mercado — essas coisas que melhoraram dramaticamente nossas vidas — são todas, escreve o acadêmico americano Steven Pinker, o resultado de "um processo iniciado pelo iluminismo no final do século XVIII", quando os filósofos "substituíram dogma, tradição e autoridade por razão, debate e instituições de busca da verdade". 

O articulista do New York Times David Brooks concorda, assegurando a seus leitores que “o projeto iluminista nos deu o mundo moderno”. Então, agradeça por “pensadores como John Locke e Immanuel Kant, que argumentaram que as pessoas deveriam parar de aceitar cegamente as autoridades” e, em vez disso, "pensar sobre as coisas desde o seu fundamento”.

Pinker resume: "O progresso é um presente dos ideais do iluminismo, e continuará na medida em que nos dedicarmos a esses ideais".

Quase nada do que vai acima é verdade. Considere a alegação de que a Constituição dos EUA foi um produto do pensamento iluminista, resultado da rejeição das tradições políticas do passado e da pura aplicação da razão humana. A refutação desta ideia requer apenas a leitura de textos sobre a constituição inglesa. O amplamente divulgado tratado do século XV, “Elogio das Leis da Inglaterra”, escrito pelo jurista John Fortescue, explica claramente o devido processo legal e a teoria agora chamada de “freios e contrapesos”. A constituição inglesa, escreveu Fortescue, estabelece liberdade pessoal e prosperidade econômica, protegendo o indivíduo e sua propriedade do governo. As proteções que aparecem na Declaração de Direitos dos EUA foram estabelecidas principalmente no seculo XVII pelos homens que redigiram os documentos constitucionais da Inglaterra - homens como John Selden, Edward Hyde e Matthew Hale.

Esses estadistas e filósofos articularam os princípios do constitucionalismo anglo-americano moderno séculos antes da criação dos EUA. No entanto, eles não eram homens do iluminismo. Eles eram nacionalistas ingleses religiosos e políticos conservadores. Eles estavam familiarizados com a alegação de que a razão irrestrita deveria refazer a sociedade, mas eles a rejeitaram em favor do desenvolvimento de uma constituição tradicional que havia sido testada e provada. Quando Washington, Jay, Hamilton e Madison iniciaram um governo nacional nos EUA, eles primeiramente se voltaram para essa tradição conservadora, adaptando-a às condições locais.

Tampouco há muita verdade na afirmação de que devemos a ciência e a medicina modernas ao pensamento iluminista. Uma reivindicação mais séria de suas origens pode ser feita pelo Renascimento, o período entre os séculos XV e XVII, particularmente na Itália, Holanda e Inglaterra. Os reis ingleses ligados à tradição, por exemplo, patrocinaram instituições científicas pioneiras como o Royal College of Physicians, fundado em 1518. Um de seus membros, William Harvey, descobriu a circulação do sangue no início do século XVII. A Royal Society of London for Improving Natural Knowledge, fundada em 1660, foi liderada por homens como Robert Boyle e Isaac Newton, figuras decisivas da química e da física. Mais uma vez, estas eram figuras politica e religiosamente conservadoras. Eles conheciam os argumentos, mais tarde associados ao iluminismo, para romper com a tradição política, moral e religiosa, mas os rejeitaram.

Em suma, os principais avanços que os entusiastas do iluminismo de hoje querem reivindicar tiveram seu início muito antes disso. E não está claro o quão útil o iluminismo foi quando chegou.

O que, então, foi "o iluminismo"? Este termo foi promovido, em um primeiro momento, pelo filósofo do final do século XVIII Immanuel Kant. O Sr. Pinker abre seu primeiro capítulo ao endossar a declaração de Kant de que apenas a razão permite que os seres humanos saiam de sua "imaturidade auto-infligida", deixando de lado os "dogmas e fórmulas" da autoridade e tradição.

Para Kant a razão é universal, infalível e a priori — ou seja, independente da experiência. No que diz respeito à razão, existe uma resposta eterna e inequivocamente correta a todas as questões da ciência, moralidade e política. O homem é racional apenas na medida em que ele reconhece isso e gasta seu tempo tentando chegar a essa resposta correta.

Essa arrogância assombrosa é baseada em uma ideia poderosa: que a matemática pode produzir verdades universais começando por premissas auto-evidentes — ou, como Rene Descartes havia dito, "idéias claras e distintas" — e então procedendo por meio de deduções infalíveis que Kant chamou de "certeza apodítica". Como esse método funcionava na matemática, insistiu Descartes, ele poderia ser aplicado a todas as outras disciplinas. A ideia foi posteriormente retomada e refinada por Thomas Hobbes, Baruch Spinoza, John Locke e Jean-Jacques Rousseau, assim como por Kant.

Essa visão da "razão" — e de seu poder, livre dos grilhões da história, tradição e experiência  é o que Kant chamou de "iluminismo". E está completamente errada. A razão humana é incapaz de chegar a respostas universalmente válidas e incontestavelmente corretas aos problemas da ciência, moralidade e política aplicando os métodos da matemática.

A primeira advertência foi a obra de Descartes, “Os Princípios da Filosofia”, que afirmava chegar a uma determinação final da natureza do universo, movendo-se de premissas autoevidentes através de deduções infalíveis. Esse trabalho volumoso é tão escandalosamente absurdo que nenhuma versão completa em inglês está sendo publicada nos dias de hoje. No entanto, a obra-prima de Descartes tomou a Europa de assalto e durante décadas foi o principal livro-texto da escola cartesiana de ciência. Kant seguiu esse exemplo duvidoso com seus "Fundamentos metafísicos da ciência natural" (1786), nos quais ele afirmava ter deduzido as leis do movimento de Newton usando a razão pura, sem evidência empírica.

Costumava ser um fato aceito que grande parte do sucesso do mundo moderno surgiu de tradições conservadoras que eram abertamente céticas em relação à razão. Quando eu era um estudante de pós-graduação na Rutgers durante a década de 1980, o curso introdutório em teoria política moderna tinha uma seção chamada "Críticos do Iluminismo". Estavam incluídos pensadores mais conservadores, como David Hume, Adam Smith e Edmund Burke. Eles enfatizaram a falta de confiabilidade do "raciocínio abstrato", que eles acreditavam que poderia justificar virtualmente qualquer idéia, não importando o quão desconectada da realidade, contanto que soasse auto-evidente para alguém.

Uma dessas ideias foi a alegação de Locke de que o Estado foi fundado em um contrato entre indivíduos livres e iguais — uma teoria que os críticos do iluminismo entendiam ser historicamente falsa e perigosa. Embora a teoria tenha causado um dano relativamente pequeno à Grã-Bretanha ligada à tradição, ela levou a Europa à catástrofe. Importada para a França por Rousseau, rapidamente derrubou a monarquia e o Estado, produzindo uma série de constituições fracassadas, o Reino do Terror e, finalmente, as Guerras Napoleônicas — tudo em nome da razão infalível e universal. Milhões de pessoas morreram quando os exércitos de Napoleão tentaram destruir e reconstruir todos os governos da Europa, de acordo com a teoria política correta permitida pela filosofia do iluminismo. No entanto, Napoleão estava simplesmente tentando, nas palavras de Brooks, "pensar as coisas desde o início".

Os defensores do iluminismo tendem a pular esta parte da história. O livro de 450 páginas de Pinker não menciona a Revolução Francesa. Pinker cita Napoleão como um "expoente da glória militar", mas nada diz sobre o fato de ter lançado uma guerra universal em nome da razão. Esses escritores também tendem a ignorar a dívida de Karl Marx para com o iluminismo. Marx via a si mesmo como um promotor da razão universal, continuando o trabalho da Revolução Francesa ao insistir que os trabalhadores do mundo parassem de (novamente nas palavras de Brooks) “aceitar cegamente a autoridade”. A “ciência” que Marx desenvolveu “desde o início" matou dezenas de milhões no século XX.



O iluminismo também propagou o mito de que as únicas obrigações morais das pessoas são aquelas que elas escolhem livremente atraves da razão. Essa teoria devastou a família, uma instituição construída sobre obrigações morais que muitas pessoas não escolhem, a menos que guiadas pela tradição. O livro de Pinker está cheio de gráficos mostrando a melhora nas condições materiais nos últimos séculos. Ele não nos oferece nenhum quadro descrevendo o colapso do casamento ou o aumento de nascimentos fora do casamento em sociedades “iluminadas”. Ele também não está preocupado com a destruição da religião ou do estado nacional. Kant acreditava que ambos estavam fora de conformidade com a razão, e Pinker não vê motivos para discordar.

O que nos traz ao coração do que está errado com o movimento neo-iluminista. Pinker elogia o ceticismo como uma pedra angular do "paradigma de como alcançar um conhecimento confiável". Mas as principais figuras da filosofia do iluminismo não eram céticas. Exatamente o contrário: o objetivo deles era criar seu próprio sistema de verdades universais e, nessa busca, eles eram tão rígidos quanto os medievais mais dogmáticos.

Conservadores anglo-escoceses, de Richard Hooker e Selden a Smith e Burke, estavam atrás de algo muito diferente. Eles defendiam valores nacionais e religiosos mesmo enquanto cultivavam um "ceticismo moderado" — uma combinação que o mundo de língua inglesa chamava de "bom senso". Se instituições antigas não precisavam de reparos, o bom senso os levava a deixá-las como eram, pois sempre havia o risco de piorar as coisas. Mas o senso-comum também viu potencial nas tentativas de melhorar o conhecimento da humanidade, desde que a fraqueza e falta de confiabilidade da razão humana fossem mantidas firmemente em vista. Como Newton escreveu em seu “Opticks”: “argumentar a partir de experimentos e observações por indução não é uma demonstração de conclusões gerais, mas é a melhor maneira de argumentar o que a natureza das coisas admite”.

Penso nessas palavras moderadas e céticas com frequência hoje em dia, enquanto acompanho a transformação política e cultural do mundo de língua inglesa. As elites americanas e britânicas, antes comprometidas com uma mistura de tradição e ceticismo, agora clamam pela iluminismo. Eles insistem que chegaram em certezas universais. Mostram desprezo digno do próprio Kant em relação àqueles que se recusam a abraçar seus dogmas — classificando-os como "ignorantes", "imaturos", "iliberais", "retrógrados", "deploráveis" e coisa pior.

Se essas elites ainda tivessem bom senso, elas não falariam dessa maneira. O excesso de confiança no iluminismo trouxe consequências trágicas suficintes para justificar sérias dúvidas sobre alegações feitas em nome da razão — assim como a dúvida é valiosa ao abordar outros sistemas dogmáticos. Tais dúvidas deveriam indicar mais tolerância para com diferentes formas de pensar. Instituições nacionais e religiosas podem não se encaixar no iluminismo, mas têm coisas importantes a nos ensinar.

A verdade política mais importante da nossa geração pode ser esta: você não pode defender o iluminismo e o ceticismo. Você tem que escolher apenas um.


Yoram Hazony é um filósofo israelense, estudioso da Bíblia e teórico político.