terça-feira, 22 de maio de 2018

Adam Smith x Libertários


Muitos libertários acham que a base de sua ideologia é Adam Smith. Os que vêem sua “mão invisível” como um mecanismo automático, que funciona independentemente de quaisquer outras circunstâncias (contanto que o governo fique de fora), interpretaram Smith mal. Muito mal. 

Ele sabia que todos os aspectos da sociedade, incluindo a economia, dependem de uma moral sadia. Em sua opinião, seu livro mais importante não foi A Riqueza das Nações, mas A Teoria dos Sentimentos Morais. E é justamente o amoralismo de muitos libertários que não apenas os separa dos conservadores, mas também de Adam Smith.

Desde 1776, o ano de sua primeira publicação, A Riqueza das Nações provou-se mais popular do que seu primeiro livro. A ênfase de Smith nos mercados livres, suas metáforas criativas como a 'mão invisível' e suas previsões certeiras tornaram a leitura da Riqueza das Nações essencial em nosso mundo materialista.

E é justamente essa predileção pela Riqueza das Nações que fez do autor um pensador mal compreendido. Smith é muitas vezes classificado como o padrinho dos “mercados irrestritos, governos libertários e das interações com o único propósito da satisfação pessoal”. O que foi perdido é, como afirma Jack Russell Weinstein em seu Adam Smith’s Pluralism, o "apelo de Smith pelos relacionamentos pessoais" como a base da sociedade e a sua defesa de um pluralismo funcional — embora Smith não tenha usado o termo — que está no cerne de sua Teoria dos Sentimentos Morais.

Para Adam Smith e sua filosofia moral, a empatia e a simpatia são chaves para alcançar a harmonia nos diferentes motivos e paixões dos indivíduos, colocando o altruísmo da Teoria dos Sentimentos Morais em choque com o interesse próprio da Riqueza das Nações. 
"Por mais egoísta que se possa supor que seja o homem, há evidentemente alguns princípios em sua natureza que fazem com que ele se interesse pela ventura alheia, e tornem a felicidade dos outros necessária para ele, mesmo que ele nada obtenha dela além do prazer de vê-la.  
(página 1, A Teoria dos Sentimentos Morais)

A ideologia libertária também se afasta de Adam Smith quando se trata de infraestrutura, incluindo o transporte e o papel do governo em provê-lo. Os libertários exigem que tudo seja deixado ao livre mercado. Smith, em A riqueza das nações, escreveu:
"Segundo o sistema da liberdade natural, ao soberano cabem apenas três deveres [...] primeiro, o dever de proteger a sociedade contra a violência e a invasão de outros países independentes; segundo, o dever de proteger, na medida do possível, cada membro da sociedade contra a injustiça e a opressão de qualquer outro membro da mesma, ou seja, o dever de implantar uma administração judicial exata; e, terceiro, o dever de criar e manter certas obras e instituições públicas que jamais algum indivíduo ou um pequeno contingente de indivíduos poderão ter interesse em criar e manter, já que o lucro jamais poderia compensar o gasto de um indivíduo ou de um pequeno contingente de indivíduos, embora muitas vezes ele possa até compensar em maior grau o gasto de uma grande sociedade."
página 170


"OS GASTOS COM AS OBRAS E AS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS"
Artigo 1: As obras e as instituições públicas destinadas a facilitar o
comércio da sociedade:
É um fato evidente, que não precisa de nenhuma demonstração, que a criação e manutenção das obras públicas para facilitar o comércio em qualquer país — tais como boas estradas, pontes, canais navegáveis, portos etc. — necessariamente requerem gastos cujo montante varia muito, de acordo com os diversos períodos da sociedade. As despesas para construir e manter as estradas públicas de qualquer país devem forçosamente aumentar ao mesmo tempo que a produção anual da terra e do trabalho de respectivo país, ou ao mesmo tempo que a quantidade e o peso das mercadorias que se torna necessário buscar e transportar nessas estradas. 
Não parece necessário que os gastos feitos com obras públicas sejam pagos com aquela receita pública — como se denominá-las —, cujo recolhimento e aplicação, na maioria dos países, estão confiados ao poder executivo. A maior parte dessas obras públicas pode ser facilmente administradas de tal maneira que elas mesmas gerem uma receita específica suficiente para cobrir seus próprios custos, sem acarretar ônus algum à receita geral do país. 
Uma estrada, uma ponte, um canal navegável, por exemplo, na maioria dos casos podem ser construídos e mantidos mediante o pagamento de um pequeno pedágio pelos veículos que os atravessam; em se tratando de um porto, com a cobrança de uma moderada taxa portuária por tonelagem a cada embarcação que nele for carregada ou descarregada.
[...]
Não se pode, com qualquer grau de segurança, deixar as taxas de pedágio para a manutenção de uma estrada à disposição de particulares.
Uma estrada de rodagem, mesmo que totalmente negligenciada, não se torna inteiramente intransitável, como acontece com um canal. Por isso, os responsáveis pelas taxas de pedágio de uma estrada poderiam negligenciar totalmente a manutenção da mesma, continuando, apesar disso, a cobrar quase os mesmos pedágios. O mais aconselhável portanto é colocar os pedágios para a manutenção de tais obras sob a administração de comissários ou encarregados. 
páginas 198 - 200


Em suma, as ideias de Adam Smith estão mais próximas dos conservadores do que dos libertários. Ele via a moral e a cultura da sociedade como mais importantes do que um mercado livre e acreditava que o governo tinha um papel a desempenhar no fornecimento de infraestrutura, sem o qual o comércio não poderia florescer, e, heresia!, achava que parte dessa infra-estrutura teria que ser propriedade do governo. 

FONTES 
[1] , [2] , [3] , [4]  



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